segunda-feira, 24 de julho de 2023

Filósofos pré-socráticos - paradoxo designativo

Os filósofos pré-socráticos não são anteriores a Sócrates.

É bom sabê-lo. Em primeiro lugar, porque os paradoxos são sempre apetitosos.

Depois, na medida em que é um minúsculo passo no sentido de se ter algum conhecimento.

É, também, bom sabê-lo na medida em que aumenta a consciência da dimensão da ignorância que se tem o que, não só é saudável e revigorante, como faz jus ao próprio Sócrates que levou uma vida inteira para saber que nada sabia. O que, como se não bastasse, lhe valeu um copo com cicuta que não lhe fez nada bem à saúde.

Esse conjunto de pessoas, algumas contemporâneas de Sócrates, ganhou essa denominação por uns estudiosos do século XIX terem chegado à conclusão de que havia “uma diferença significativa de interesses” entre umas e outro. Ao conjunto das primeiras, os estudiosos chamaram, como Aristóteles, “físicos”, porque se dedicavam a questões sobre a natureza e origens do mundo. Já Sócrates preocupava-se principalmente com a ética.

São fascinantes, os pré-socráticos. Aparentemente disseram tudo o que havia para dizer, mas resumidamente.

É por isso que vou ver se os abordo, um a um, como um exercício de memória, que bem merecem. E, depois, vou por aí fora, por todos os tempos e por todo o mundo.

Com todo o mérito de “Uma História da Filosofia”, de A. C. Grayling, com que conto para conseguir contar.


quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Mezli, o restaurante-robot – de Stanford à street food

 


Em San Francisco, está em funcionamento o, mais ou menos, primeiro restaurante completamente automatizado do mundo. Tem a forma de um contentor que, de um lado, recebe os pedidos dos clientes que se atrevem a experimentar e, do outro lado, lhes entrega a refeição que escolheram. Pelo meio, mistura ingredientes, leva-os ao forno, faz misturas programadas.

Foi criado por três empreendedores oriundos de Stanford que trataram da robotização. Juntou-se-lhes um chef de cozinha, já que uma coisa é apresentar comida, outra é ser suficientemente saborosa para se desejar consumi-la.

Fica mais barata e foi considerada “pretty good” por um crítico de cozinha. É o que a SingularityHub e a Eater San Francisco nos contam, com detalhe.


domingo, 25 de abril de 2021

Klara e o Sol

 

Candura dura como o metal de que é feita pode ser a primeira, segunda e, principalmente a última impressão que nos deixa o mais recente livro de Kazuo Ishiguro. A candura de Ishiguro tem muito em comum com a de Steinbeck. São estilos de escrita totalmente diferentes, mas o fio condutor, a glia que une as personagens, as histórias pequenas que deixam ver a grande, maior que o livro, maior que a vida, a brutalidade incomensurável ternamente descrita, sem floreados, sem adjetivos, só factos pontiagudos, aguçados, dilacerantes, docemente colocados um a seguir ao outro, como se só pudesse ser assim, vislumbrando-se alternativas possíveis e inviáveis, como numa enxurrada que vai por onde iria sempre, mesmo que pudesse ir por outo lado.  

Não é uma candura subjetiva, humana, pequena, individual. Praticável. É a candura subjacente à humanidade, ao Universo, intemporal, amoral, avassaladora.

Não vou contar o livro, refiro só o que está na contracapa, que é público e notório. Klara é a protagonista narradora, uma Amiga Artificial (AA), que espera numa loja para ser comprada, de modo a conseguir concretizar o objetivo da sua criação.

Kazuo é japonês e inglês, em simultâneo. Nasceu no japão, é de substrato japonês. Foi para Inglaterra aos cinco anos, cresceu inglês. Nasceu numa ilha a Oriente, fez-se noutra ilha, a Ocidente. A escrita de Ishiguro tem a depuração, a essência, o sentido de dever japoneses, num cenário ocidental. Deixa quase tudo à imaginação do leitor, o que poderá ser a caraterística mais estrutural dos grandes clássicos. Cada um, em cada tempo e lugar, preenche a história com a sua história, com o seu conhecimento, com a sua experiência, fazendo de cada leitura um exemplar único do livro, que se perpetua infinitamente. Este vencedor do prémio Nobel da Literatura, em 2017, faz isso magistralmente. Tece uma teia aberta, dá a estrutura e o cenário, traça os contornos das personagens e deixa-nos o encargo de construir a narrativa que será a nossa, com a nossa substancia, terrores e anseios.

A história é do futuro, mas pouco.

Vale a pena, para todos, mas principalmente para quem segue o tema da Inteligência Artificial, aproveitar esta oportunidade para absorver o que a arte, em geral, e a literatura, em particular, fazem melhor que qualquer ciência: a criação de hipóteses que nos permitem visualizar, intuir, saber o que foi, é e será.

“O sol tem sempre forma de nos alcançar”. 


quarta-feira, 31 de março de 2021

BPM e a frequência da terra

 

“BPM” são batidas por minuto, unidade de medida no coração e na música. É também o título do novo álbum que Salvador Sobral está a lançar. Ontem, numa entrevista, o autor explicava que quando fez um transplante de coração e estava no hospital, tinha sempre o batimento cardíaco monitorizado, identificado no ecrã por BPM. Como batidas por minuto é também a medida da música, no tempo que ali passou, esse elo dava-lhe sentido e alento.

Parece que a terra também tem o seu “batimento” que, na frequência 7.83 Hz, poderá coincidir com ondas do cérebro humano, influenciando-o.

A possibilidade de existir um ritmo comum, subjacente a tudo, é uma questão, no mínimo, emocionante.

sábado, 27 de março de 2021

O miolo da noz


Os bons livros de ficção contêm em si sínteses extraordinárias, difíceis de encontrar noutros recipientes, com a exceção, normalmente menos bela, dos provérbios populares. 

Deparei-me agora com uma pequena pilha de livros que foram saindo das prateleiras por alguma razão e foram ficando empilhados numa desarrumada arrumação durante muito tempo. Peguei neles e ia distribuí-los pelas respetivas secções a que pertencem, seguindo o critério relativamente vago e muito flexível das minhas estantes.

A questão é que quando isso acontece, isto é, quando pego em livros que li há muito tempo, com a intenção de os transportar de um sítio para outro, dificilmente resisto à tentação de os abrir ao acaso, passando os olhos por alguns parágrafos. O que se lhe segue é ser invadida pelo espanto, encher-me de um “como é que é possível pensar/escrever/sintetizar tão bem?”, enquanto me encosto ou sento onde estiver, esquecida do que ia fazer.

Acabou de acontecer, com a agravante de que havia uma página com um canto dobrado, que me propus reconduzir ao estado direito, enquanto pensava se seria um esquecimento de marcação dum tempo em que os marcadores oficiais eram raros, ou se estaria a assinalar algo notável.

Fiquei imediatamente esclarecida ao encontrar o seguinte: 

"Não posso resumir em meia dúzia de frases o que levou séculos a acontecer. No entanto, como o miolo de uma noz e a semente de um fruto, exprimem o esforço de toda a árvore, a essência da vida, talvez consiga… Pensa nisto: mandei as minhas três filhas para muito longe do nosso país porque previ a concatenação de acontecimentos que redundariam em catástrofe para o nosso povo. Desejava que vocês sobrevivessem.
- Que acontecimentos?
Madame Liang pôs o cigarro no cinzeiro, para poder contar pelos dedos. Começou pelo pequenino da mão esquerda e foi até ao polegar:”.

Em Pearl S. Buck, As Três Filhas da Senhora Liang, Colecção Dois Mundos, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, Rua dos Caetanos 22,1969, p.63. Diz também “Venda interdita nos Estados Unidos do Brasil”.


quinta-feira, 25 de março de 2021

Leitura de pensamentos – novo avanço tecnológico

Todos os dias, literalmente todos os dias, eventualmente várias vezes, cai mais um bastião daquilo que mantinha o ser humano único, autónomo, no controlo de si próprio e da realidade que o rodeia, excluindo naturalmente catástrofes ou outros acontecimentos imprevisíveis e intrinsecamente incontroláveis.

Um estudo realizado na Queen Mary University de Londes, publicado no Plos One, em 3 de fevereiro de 2021, divulga o trabalho de cientistas que propõem uma nova maneira de detetar emoções através de “wireless signals”, mais concretamente ondas de rádio.

É muito útil, porque permite identificar emoções lendo diretamente os pensamentos, o que serve para vários fins de que se destacam a deteção de discrepâncias entre o que se diz e o que se pensa.

Em 1949, foi publicado Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, de George Orwell, que já continha o essencial sobre o assunto de um ponto de vista macro e político. Não há muito a acrescentar. A aplicação do conceito aos vários contextos em que o ser ainda humano se move, social, familiar, religioso, laboral, judicial, e todos os outros em que possamos pensar, é por si só a evidência do que está em causa. Quando à pergunta “Achas que esta roupa me fica bem?”, seja dada a simples e educada resposta esperada “Fica ótima.”, várias crises se perspetivam oriundas da leitura do pensamento que se conteve. Se as perguntas forem feitas em contexto judicial, o problema pode ser mais grave ou, pelo menos de consequências diferentes. No campo religioso, dado que Deus já possui essa faculdade, as questões ficam circunscritas ao terreno. Noutros campos, outras consequências ocorrerão.

A comunicação direta entre cérebros, no que poderá ser denominado Internet of Brains (IoT), já causava perplexidade bastante, como pode ser lido aqui, mas parecia implicar ainda algum controlo sobre o pensamento que se transmitia.

Neste artigo do The Machine, podem ler-se outras aplicações ou variações nesta temática, nomeadamente no que diz respeito aos Brain Computer Interfaces (BCI), que podem ser externos sob a forma de uma espécie de capacetes e que permitem coisas tão fúteis como corridas de drones diretamente comandados pelo pensamento, ou tão extraordinárias como a possibilidade de alguém privado da fala poder simplesmente pensar nas palavras que quereria dizer, sendo estas proferidas por um dispositivo criado para o efeito.

Estes BCI também podem ser internos, sob a forma de implantes no cérebro, coisa que Elon Musk, na Neuralink, uma das suas várias bilionárias empresas está a desenvolver, com o objetivo de possibilitar que o pensamento humano possa ser aumentado e minimamente competitivo com a inteligência artificial. O que, julga-se, será acessível a quem o possa pagar.

Enfim, tudo isto existe, tudo isto não sei se é triste, e tudo isto aparenta ser fado. Vamos ver no que dá, quer queiramos, quer não.