domingo, 17 de novembro de 2019

Linearmente – ainda é nisto que estamos


O nosso raciocínio é linear. Pensamos uma coisa a seguir à outra e queremos acreditar, ou cremos, que as coisas se passam do modo como as conseguimos pensar. Quando se tornam muito complexas, procuramos chegar lá por partes. Analisamos um bocadinho, depois outro, como num puzzle duma paisagem, isto é mar, isto é sol, isto é céu, isto não sei, fica de parte. Fazemos montinhos com o critério do que nos parece a caraterística principal. Verde, árvores. Azul com ondulação, mar. Azul com nuvens, céu. Depois, nos montinhos, vamos tentando encaixar. Ficamos com várias ilhas, usamos a intuição, que mais não é que experiência de que não tomámos consciência e, com uma grande dose de sorte, completamos o puzzle. Não é por acaso que são também chamados quebra-cabeças. Alguns, mais prudentes, temendo não voltar a conseguir terminar a tarefa se a repetissem, colam tudo e mandam emoldurar.
Na história é o mesmo. Éramos macacos, começámos a andar em pé, opusemos o polegar ao indicador e aos outros dedos, inventámos, ou lá o que foi o fogo, cozinhámos comida, acumulámos energia facilmente e desatámos a pensar. Quando demos por nós estávamos a escrever, fizemos e desfizemos reinos e impérios pelas razões clássicas da ganância, desigualdade e curso normal das coisas Inventámos a eletricidade e a máquina a vapor. Na política inventámos, ou lá o que foi, a liberdade, a fraternidade e a igualdade a par da guilhotina, uma sem a outra não resultava. Dizimámos a América quando lá chegámos com as doenças que levávamos. Inventámos modo de acabar com a fome e vendemos aos pobres sementes estéreis. Descobrimos a energia nuclear e, de uma assentada, demos cabo de duas cidades e quase do mundo. Damos cabo do planeta, metódica e sistematicamente, com a alegria do consumo que atenua a depressão do capitalismo que perpetua. Fomos à Lua, descobrimos o espaço, voltamos a pensar em colonização, pela razão clássica de que já destruímos tudo em que tocámos e precisamos de mais para arruinar. Ao lado, damos boas razões para fazermos as coisas. Os selvagens precisam de ser salvos, a energia nuclear é limpa, a liberdade é o valor que estamos a defender quando espiamos e perseguimos e prendemos e torturamos e matamos e invadimos e dizimamos. As coisas seguem-se umas às outras, de preferência numa simpática sucessão de causa/efeito que as legitima, se dúvidas houvesse. Foi torturado e confessou tudo, na Inquisição e na atualidade. Tudo coisas, umas coisas a seguir às outras, arrumadinhas, alinhadas, lineares. Como o nosso pensamento.
O problema é quando o mundo se torna complexo. Não complexo, como que coisa tão complicada, não estou a perceber bem, mas efetivamente complexo. De uma complexidade tal que por mais montinhos que façamos o puzzle se mostra infinito e impossível de resolver. É nisto que estamos. É aqui que entra a inteligência artificial. É aqui que, de pensarmos, passamos a ser pensados. É aqui que algo que não faríamos em milhões de anos é feito em segundos. É aqui que um cérebro artificial, alimentado pelos nossos limitados cérebros humanos que, de todas as formas possíveis, lhe fornecem a informação de que necessita para funcionar, trabalha. Não vamos dizer que pensa, que isso é considerado ofensivo. Que funciona. É aqui que estamos. Noutro dia veremos para onde vamos.