domingo, 25 de abril de 2021

Klara e o Sol

 

Candura dura como o metal de que é feita pode ser a primeira, segunda e, principalmente a última impressão que nos deixa o mais recente livro de Kazuo Ishiguro. A candura de Ishiguro tem muito em comum com a de Steinbeck. São estilos de escrita totalmente diferentes, mas o fio condutor, a glia que une as personagens, as histórias pequenas que deixam ver a grande, maior que o livro, maior que a vida, a brutalidade incomensurável ternamente descrita, sem floreados, sem adjetivos, só factos pontiagudos, aguçados, dilacerantes, docemente colocados um a seguir ao outro, como se só pudesse ser assim, vislumbrando-se alternativas possíveis e inviáveis, como numa enxurrada que vai por onde iria sempre, mesmo que pudesse ir por outo lado.  

Não é uma candura subjetiva, humana, pequena, individual. Praticável. É a candura subjacente à humanidade, ao Universo, intemporal, amoral, avassaladora.

Não vou contar o livro, refiro só o que está na contracapa, que é público e notório. Klara é a protagonista narradora, uma Amiga Artificial (AA), que espera numa loja para ser comprada, de modo a conseguir concretizar o objetivo da sua criação.

Kazuo é japonês e inglês, em simultâneo. Nasceu no japão, é de substrato japonês. Foi para Inglaterra aos cinco anos, cresceu inglês. Nasceu numa ilha a Oriente, fez-se noutra ilha, a Ocidente. A escrita de Ishiguro tem a depuração, a essência, o sentido de dever japoneses, num cenário ocidental. Deixa quase tudo à imaginação do leitor, o que poderá ser a caraterística mais estrutural dos grandes clássicos. Cada um, em cada tempo e lugar, preenche a história com a sua história, com o seu conhecimento, com a sua experiência, fazendo de cada leitura um exemplar único do livro, que se perpetua infinitamente. Este vencedor do prémio Nobel da Literatura, em 2017, faz isso magistralmente. Tece uma teia aberta, dá a estrutura e o cenário, traça os contornos das personagens e deixa-nos o encargo de construir a narrativa que será a nossa, com a nossa substancia, terrores e anseios.

A história é do futuro, mas pouco.

Vale a pena, para todos, mas principalmente para quem segue o tema da Inteligência Artificial, aproveitar esta oportunidade para absorver o que a arte, em geral, e a literatura, em particular, fazem melhor que qualquer ciência: a criação de hipóteses que nos permitem visualizar, intuir, saber o que foi, é e será.

“O sol tem sempre forma de nos alcançar”. 


quarta-feira, 31 de março de 2021

BPM e a frequência da terra

 

“BPM” são batidas por minuto, unidade de medida no coração e na música. É também o título do novo álbum que Salvador Sobral está a lançar. Ontem, numa entrevista, o autor explicava que quando fez um transplante de coração e estava no hospital, tinha sempre o batimento cardíaco monitorizado, identificado no ecrã por BPM. Como batidas por minuto é também a medida da música, no tempo que ali passou, esse elo dava-lhe sentido e alento.

Parece que a terra também tem o seu “batimento” que, na frequência 7.83 Hz, poderá coincidir com ondas do cérebro humano, influenciando-o.

A possibilidade de existir um ritmo comum, subjacente a tudo, é uma questão, no mínimo, emocionante.

sábado, 27 de março de 2021

O miolo da noz


Os bons livros de ficção contêm em si sínteses extraordinárias, difíceis de encontrar noutros recipientes, com a exceção, normalmente menos bela, dos provérbios populares. 

Deparei-me agora com uma pequena pilha de livros que foram saindo das prateleiras por alguma razão e foram ficando empilhados numa desarrumada arrumação durante muito tempo. Peguei neles e ia distribuí-los pelas respetivas secções a que pertencem, seguindo o critério relativamente vago e muito flexível das minhas estantes.

A questão é que quando isso acontece, isto é, quando pego em livros que li há muito tempo, com a intenção de os transportar de um sítio para outro, dificilmente resisto à tentação de os abrir ao acaso, passando os olhos por alguns parágrafos. O que se lhe segue é ser invadida pelo espanto, encher-me de um “como é que é possível pensar/escrever/sintetizar tão bem?”, enquanto me encosto ou sento onde estiver, esquecida do que ia fazer.

Acabou de acontecer, com a agravante de que havia uma página com um canto dobrado, que me propus reconduzir ao estado direito, enquanto pensava se seria um esquecimento de marcação dum tempo em que os marcadores oficiais eram raros, ou se estaria a assinalar algo notável.

Fiquei imediatamente esclarecida ao encontrar o seguinte: 

"Não posso resumir em meia dúzia de frases o que levou séculos a acontecer. No entanto, como o miolo de uma noz e a semente de um fruto, exprimem o esforço de toda a árvore, a essência da vida, talvez consiga… Pensa nisto: mandei as minhas três filhas para muito longe do nosso país porque previ a concatenação de acontecimentos que redundariam em catástrofe para o nosso povo. Desejava que vocês sobrevivessem.
- Que acontecimentos?
Madame Liang pôs o cigarro no cinzeiro, para poder contar pelos dedos. Começou pelo pequenino da mão esquerda e foi até ao polegar:”.

Em Pearl S. Buck, As Três Filhas da Senhora Liang, Colecção Dois Mundos, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, Rua dos Caetanos 22,1969, p.63. Diz também “Venda interdita nos Estados Unidos do Brasil”.


quinta-feira, 25 de março de 2021

Leitura de pensamentos – novo avanço tecnológico

Todos os dias, literalmente todos os dias, eventualmente várias vezes, cai mais um bastião daquilo que mantinha o ser humano único, autónomo, no controlo de si próprio e da realidade que o rodeia, excluindo naturalmente catástrofes ou outros acontecimentos imprevisíveis e intrinsecamente incontroláveis.

Um estudo realizado na Queen Mary University de Londes, publicado no Plos One, em 3 de fevereiro de 2021, divulga o trabalho de cientistas que propõem uma nova maneira de detetar emoções através de “wireless signals”, mais concretamente ondas de rádio.

É muito útil, porque permite identificar emoções lendo diretamente os pensamentos, o que serve para vários fins de que se destacam a deteção de discrepâncias entre o que se diz e o que se pensa.

Em 1949, foi publicado Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, de George Orwell, que já continha o essencial sobre o assunto de um ponto de vista macro e político. Não há muito a acrescentar. A aplicação do conceito aos vários contextos em que o ser ainda humano se move, social, familiar, religioso, laboral, judicial, e todos os outros em que possamos pensar, é por si só a evidência do que está em causa. Quando à pergunta “Achas que esta roupa me fica bem?”, seja dada a simples e educada resposta esperada “Fica ótima.”, várias crises se perspetivam oriundas da leitura do pensamento que se conteve. Se as perguntas forem feitas em contexto judicial, o problema pode ser mais grave ou, pelo menos de consequências diferentes. No campo religioso, dado que Deus já possui essa faculdade, as questões ficam circunscritas ao terreno. Noutros campos, outras consequências ocorrerão.

A comunicação direta entre cérebros, no que poderá ser denominado Internet of Brains (IoT), já causava perplexidade bastante, como pode ser lido aqui, mas parecia implicar ainda algum controlo sobre o pensamento que se transmitia.

Neste artigo do The Machine, podem ler-se outras aplicações ou variações nesta temática, nomeadamente no que diz respeito aos Brain Computer Interfaces (BCI), que podem ser externos sob a forma de uma espécie de capacetes e que permitem coisas tão fúteis como corridas de drones diretamente comandados pelo pensamento, ou tão extraordinárias como a possibilidade de alguém privado da fala poder simplesmente pensar nas palavras que quereria dizer, sendo estas proferidas por um dispositivo criado para o efeito.

Estes BCI também podem ser internos, sob a forma de implantes no cérebro, coisa que Elon Musk, na Neuralink, uma das suas várias bilionárias empresas está a desenvolver, com o objetivo de possibilitar que o pensamento humano possa ser aumentado e minimamente competitivo com a inteligência artificial. O que, julga-se, será acessível a quem o possa pagar.

Enfim, tudo isto existe, tudo isto não sei se é triste, e tudo isto aparenta ser fado. Vamos ver no que dá, quer queiramos, quer não.    

sábado, 23 de janeiro de 2021

De Deep Blue, o campeão limitado, à AI que se auto-programa

 

Deep Blue era um sistema de inteligência artificial extremamente evoluído cujo feito mais famoso é a sua vitória no xadrez, contra Garry Kasparov, o campeão humano por muitos considerado o melhor jogador de sempre. Tal proeza deu-se nos idos de 1997, após muitos anos de trabalho na e da máquina e, ainda mais, de trabalho do mestre. Kasparov, nessa altura com 34 anos, fora em 1985, com 22, o mais jovem campeão do mundo de xadrez e, com 13, havia vencido o campeonato de xadrez da União Soviética. Levava, pois, em 1997, cerca de 30 anos dedicados ao estudo e prática do xadrez de altíssimo nível. Trabalho esse, aquele a que se sujeitam os melhores, que recentemente ajudou a mostrar numa série de ficção de grande sucesso, “The Queen’s Gambit”, de que foi consultor. O interesse foi tanto que desencadeou o efeito Netflix logo a seguir à sua estreia, em outubro de 2020.

Segundo a Wikipédia - fenómeno extraordinário de democratização da informação e, em cada vez mais “entradas”, do conhecimento efetivo, na medida em que apresenta fontes vastas e credíveis ou, pelo menos, verificáveis e que se mantém firmemente acessível para que cada um que sabe alguma coisa sobre determinado assunto o possa disponibilizar ao mundo, de modo a que cada um que quer saber alguma coisa sobre determinado assunto o possa instantaneamente aprender – o Deep Blue “foi um supercomputador e um software criados pela IBM especialmente para jogar xadrez; com 256 co-processadores capazes de analisar aproximadamente 200 milhões de posições por segundo.”.

Ora, isto diz muitíssimo sobre a capacidade do humano Kasparov já que é perfeitamente razoável admitir que, tendo sido para Deep Blue, primeiro um adversário imbatível e, depois, batível com grande esforço, o seu cérebro biológico alimentado de estudo e experiência, conseguiria analisar perto de 200 milhões de posições por segundo. Acresce que Deep Blue era totalmente incapaz em tudo o resto e Kasparov demonstrava a capacidade usual de um humano para muitíssimas tarefas inerentes à sua condição e ao modo como vivia. Desde logo, sabia andar, coisa que fazia sem grande dificuldade desde tenra idade – talvez pouco antes de começar a jogar xadrez – habilidade que levou mais uns anos até ser conseguida por robots alimentados por inteligência artificial (Artificial Intelligence – AI).

Pode-se ver aqui exemplos da extraordinária evolução na locomoção e mobilidade dos robots, que começaram a ser desenvolvidos para, em cenários de guerra, irem onde os humanos não podiam, ou não deviam, devido à sua biológica fragilidade. Começaram por ser uma espécie de cães extremamente desengonçados, com a vantagem dos quatro apoios e, em duas “pernas” demoraram muito tempo a lidar com pequenos obstáculos e muito mais tempo ainda a subir escadas. A compra da Boston Dynamics pela Google, em 2013, foi um marco no desenvolvimento de robots hábeis em, digamos, movimentos livres. A robótica “clássica”, muito ligada à indústria, era essencialmente estática na sua estrutura e executava um ou mais movimentos iguais e repetidos com grande eficácia e precisão.  

A evolução foi enorme e 2021 foi recebido por um vídeo que rapidamente se tornou viral, em que os robots da BD dançavam exuberantemente ao som de “Do you love me?” mostrando, entre outros, Spot, o tal dos quatro apoios, robot de algum modo parecido com um cão que pode ser comprado desde junho, por 74.500 dólares. O que mostra que qualquer um, desde que muito rico, pode comprar tecnologia de ponta.

A par da robótica, desenvolve-se a AI. Extraordinariamente.

Deep Blue, programado por humanos, acumulava informação e processava-a a um ritmo muito rápido. A AI posterior começou a aprender sozinha, naquilo a que se chamou machine learning (ML) e, mais tarde com as redes neurais artificiais (ANN – Artificial Neural Nets), deep learning (DL). Essa aprendizagem começou por ser seguida de perto por cientistas humanos que tinham forte intervenção no seu desenvolvimento e que, progressivamente, se foram afastando do processo de programação. A ML, primeiro supervisionada, depois sem supervisão e, por fim, usando a aprendizagem por reforço, fez um caminho impressionante que surpreendeu os próprios cientistas, principalmente em áreas como o reconhecimento facial e a linguagem escrita e verbal.

Foi esse tipo de aprendizagem, que consiste em fixar objetivos, recompensando o sucesso e recusando o erro, deixando que o sistema de AI vá tentando e progredindo, que permitiu que o AlphaGo, em 2016, depois de aprender sozinho, em quatro horas, a jogar Go, o jogo mais complexo conhecido, tenha conseguido algum tempo depois derrotar o campeão do mundo, ao que se seguiram jogos com equipas mistas.

A Singularity Hub, agora, noticia um passo adiante.

Começa por explicar os básicos do DL: “Key to deep learning’s success is the fact the algorithms basically write themselves. Given some high-level programming and a dataset, they learn from experience. No engineer anticipates every possibility in code. The algorithms just figure it.”, isto é, os algoritmos evoluem sozinhos.

Depois, anuncia que “the DeepMind team described a new deep reinforcement learning algorithm that was able to discover its own value function—a critical programming rule in deep reinforcement learning—from scratch.”, isto é, um algoritmo que cria algoritmos novos a partir do nada.  

O estudo está aqui e a notícia da SU aqui.

A DeepMind foi criada em 2010 e adquirida pela Google em 2014 e tem estado na liderança da investigação que, nesta área, é realmente muito cara.

Com algoritmos a criar algoritmos é difícil não perguntar “Então e nós, as pessoas, onde ficamos?”. Não, DeepMind, deixa lá, não te incomodes, é uma pergunta meramente retórica. De qualquer modo, a sério, preferimos não saber.


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Aristotle, AGI and chatbots

 

Artificial General Intelligence researchers are working with Aristotle's logic. Mathematics is not enough.

"Aristotle’s 2,000-year-old logic has had a profound influence on Western civilization. A revamp of his ancient works could very well shift us into a new frontier of human-computer interaction.", David Ireland and Dana Kai Bradford, in The Conversation, here.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Happy New Year from Boston Dynamics


The Happy New Year from Boston Dynamics went viral. The answer to the musical question “Do you love me?”, must be “Yes, I do”. Is impossible not to love this dancing robots and to be amazed by their movements.

You can have an idea of its evolution by comparing with Spot in 2018, Atlas in 2016, Petman in 2013 (we cannot avoid an unfairness feeling with this video) and Cheetah in 2012.

Google bought Boston Dynamics in 2013 and sold it to Japanese conglomerate SoftBank in 2017. Just a few weeks ago it was acquired by Hyundai  for $1.1 billion. Hyundai plans to use the abilities of robots for everything from service and logistics to autonomous driving and smart factories.

Meanwhile, Spot, something like a dog, has been helping with the pandemic and, since June is possible to buy it for $74,500.

For more information, you can see Singularity Hub here.