Depois da vitória no xadrez de
Deep Blue, o computador, sobre Garry Kasparov, o humano campeão mundial desse
jogo, a humanidade sentiu-se ligeiramente ultrajada.
Alguns resolveram não acreditar,
o que é sempre um bom princípio, outros deitaram as mãos à cabeça que continha
o cérebro e terão exclamado "Meu Deus, onde é que isto vai parar" e
outros disseram que afinal era só um jogo de xadrez, brincadeira de crianças,
se fosse um jogo a sério, outro galo cantaria. As pessoas quando ficam
espantadas têm uma certa tendência para recorrer a Deus e aos provérbios, já
que ambos contém acumulada sabedoria de muito tempo, o que ajuda a pensar o
impensável.
A ocorrência da vitória dos bites
deu-se em 1997, ainda o milénio não tinha sido dobrado. Vivia-se nessa altura
numa saudável eminência do fim do mundo no ano 2000, há muito prevista. Nada
que tivesse o atual fundamento já que há 20 anos ainda não era tão evidente até
que ponto estávamos a dar cabo do planeta. Por essa altura, acresceu uma, à
data moderna, previsão dum simultâneo fim do mundo, por razões de ordem
tecnológica relativas à alegada incapacidade dos computadores então existentes,
se acertarem com o número 2000 a indicar o ano. Felizmente, ao soarem as doze
badaladas e ao surgir 00:00 nos relógios digitais nada aconteceu de mais
especial, que o início de um ano novo. A não concretização do fim do mundo
nessa data deu oportunidade à humanidade para se continuar a dedicar
pessoalmente ao tema com o sucesso que cheias, secas, incêndios, tornados e
outros fenómenos meteorológicos extremos demonstram.
A propósito da competição histórica entre Deep
Blue e Kasparov, em 29 de julho de 1997, o The New York Times publicava: ''It
may be a hundred years before a computer beats humans at Go - maybe even
longer,'' said Dr. Piet Hut, an astrophysicist at the Institute for Advanced
Study in Princeton, N.J., and a fan of the game. '.
Demorou um bocadinho menos. Em
2016 um computador venceu o campeão mundial de Go. O homem do Go, em termos
gerais, não era muito diferente do homem do Xadrez. Ambos, aliás, não eram
muito diferentes do homem que descobriu o fogo ou a roda. A evolução da espécie
humana é bastante lenta e, em milhões de anos pouco mais conseguiu que começar
a perder os dentes do siso. O computador, pelo contrário, evoluir
extraordinariamente. Passou de máquina programada pelo homem a máquina que,
depois disso, consegue aprender sozinha. De soma e processamento de quantidades
enormes de dados, no caso do xadrez de jogadas registadas, passou a inventar
novas jogadas que não se conheciam. Passado algum tempo nisto, venceu no Go.
Após a experiência que causou
embaraço à espécie humana, criaram-se equipas de centauros, compostas por
humanos e AI (Artificial Inteligence). Parece que uns e outros cometem erros de
natureza diferente, por isso a colaboração poderá ser, além de inevitável, frutuosa.
A figura do centauro para
representar esta nova simbiose mostra que constelações, mitos e clássicos
continuam tão aptos como sempre estiveram para integrar o novo. Acrescentar à
equação Pégaso dar-lhe-ia asas. O que faria de cabeça/cérebro num
cavalo/homem/alado fica em aberto. Os deuses devem estar a tratar do assunto, com
a eficácia que têm demonstrado.
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