O velho que lia romances de amor
desde que nasceu, morreu.
Luís Sepúlveda, escritor chileno,
por nascimento e devoção, escritor global por exílio e vocação, escritor herói
como queremos que sejam, lutando por ideais e pela liberdade, preso e exilado,
jornalista e ideólogo, morreu aos setenta anos. Pelas contas de hoje em dia poderia
viver, sem grande dificuldade, mais vinte ou trinta anos produzindo a prosa
maravilhosa, no duplo sentido de excelente e mágica, que conseguia produzir.
Leu, aos 16 anos, Moby Dick e
decidiu que a melhor forma de enunciar o que pretendia dizer era através dos
animais. Escreveu bastante, não o bastante, em vários registos, sendo as
fábulas um dos que lhe é mais reconhecido. Escrever fábulas tem sido uma forma muito
eficaz de sintetizar e permitir visualizar a história e, principalmente, a
moral da história. São, também, especialmente aptas à leitura por crianças e
jovens, inscrevendo-as na sua educação. Lembramo-nos muito bem das histórias de
animais que lemos ou vimos em pequenos, em desenhos animados (era assim que se
chamavam antes de se chamarem outras coisas, como filmes de animação). Lembramo-nos
das fábulas de Sepúlveda, “História de (…)” contando coisas implausíveis, como
a mais conhecida em que um gato ensina uma gaivota a voar. Lembramo-nos, em paralelo, do
Triunfo dos Porcos de Orwell e da Montanha da Água Lilás de Pepetela, murros no
estômago políticos e económicos, doces e ternos murros no estômago.
Escreveu muitos outros géneros, como
romances, contos ficcionais e reais. Escreveu muito sobre política, ideologia,
ideais. Principalmente escreveu muitíssimo bem.
Numa pequena peça do Telejornal
passaram excertos duma entrevista que deu recentemente em Portugal e, do
que disse, duas coisas pareceram-me especialmente lindas.
Uma é que os
escritores têm uma capacidade muito especial, “somos capazes de criar beleza
com o que escrevemos”.
A outra tem a ver com o 25 de abril, a revolução dos
cravos em Portugal que inspirou outras, tornou-se na evidência de que era
possível derrubar regimes ditatoriais e, no caso, sem banhos de sangue. A
notícia chegou aos resistentes da América do Sul, ao escritor, nos seguintes
termos “O que se passa é que vocês ganharam em Portugal”. Sentiram que não
estavam sós e que era possível ganhar.
É uma imensa pena que um dos que
era capaz de criar beleza no mundo não possa continuar a fazê-lo.
As Rosas de Atacama
murcharam. Depois lembraram-se de quem é Luís Sepúlveda, endireitaram-se,
compuseram as suas pétalas, encontraram na seiva que conseguiam extrair do
deserto a força que lhes permitiu mostrarem-se maiores e mais bonitas, como A
Morena e a Loira. Contendo heroicamente as lágrimas, com uma dignidade que lhes é intrínseca, respiraram fundo, brilharam, sorriram e olharam para a frente.
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