domingo, 27 de dezembro de 2020

O que escreveríamos se escrevêssemos?

Escrever é procurar descobrir o que escreveríamos se escrevêssemos.

Esta frase maravilhosa é de Marguerite Duras.

Exprime exatamente o que sinto ao escrever. Os grandes escritores, como Duras, são assim. Exprimem exatamente coisas.

A escrita, além de não ser evitável, consiste numa curiosidade. Precisamos de ver como sai aquilo que somos forçados a expressar e, por essa curiosidade, escreve-se para ver o que seria se fosse. Quando já é, pouco interessa.

A frase de Marguerite surge citada por Irene Vallejo no Prólogo do seu novo livro, onde explica sobre o que escreveu, porque e como o fez, e desabafa a sua luta, parte da eterna luta com a página em branco, a luta de fazer do material história, de ficção ou não, pouco importa.  

O livro de Irene tem o título original “El infinito en un junco. La invención de los libros en el mundo antíguo”, traduzido para português como “O infinito num junco. A invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura”, título mais explicativo talvez para o leitor português não ter dúvidas sobre ao que vai, logo desde a capa. É uma edição da Bertrand de outubro de 2020, com reimpressão em dezembro de 2020. Dele diz Mário Vargas Llosa “Uma obra-prima”, por isso para quê acrescentar o que quer que seja. É ler-se.

A capa da Bertrand tem uma sobrecapa de metade do tamanho onde, além da apreciação de Llosa, são expressas outras apreciações muito importantes de pessoas e jornais e a informação de que é um “Fenómeno de vendas em Espanha – O livro mais lido do confinamento!”, com ponto de exclamação.

Quanto às vendas, nada a apontar, simplesmente a acrescentar que os factos – edição e reimpressão em dois meses – indicam que Portugal repetirá o fenómeno, com grande benefício dos leitores.  

Quanto à frase exclamativa, sugere-me uma interrogativa: Como é que a Bertrand sabe? Comprar não é ler. Terá sido feito um inquérito aos compradores, e aos felizes contemplados com o presente, sobre se o tinham lido? Terá sido o Facebook (proprietário do Instagram, do Whatsapp e etc) que naturalmente tudo sabe e isto também, já que as pessoas postam, mostram, comentam, gostam, falam. Terá sido a assistente pessoal do Google ou de qualquer outro, o Zoom ou outra plataforma de comunicação online? Terão sido todos juntos, extraindo a informação da imensidão da big data, usando potentíssimos sistemas de inteligência artificial que, se não sabem, inferem? Ou terá sido simplesmente uma liberdade criativa da editora?

Irene escreveu procurando descobrir o que escreveria se escrevesse. Saiu, como diz Alberto Manguel “Uma homenagem ao livro, de uma leitora apaixonada”.

Os livros, os bons livros, garantem o infinito em cada lugar.

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